Vamos lutar pela livre expressão de nossos pensamentos, ideologias e regilião. Respeitando o nosso próximo, mas sem perder os nossos valores.
terça-feira, 28 de junho de 2011
quinta-feira, 23 de junho de 2011
LIVRO QUE SATIRIZA TENTATIVAS DE PÔR CRIANÇAS PARA DORMIR VIRA BEST-SELLER
Para onde vai a educação dos pais às crianças? Onde vai parar a qualidade de nossas literaturas? Que inversão de valores estamos vivenciando neste século... em que o que faz sucesso é o errado, chulo e com palavrões como nos conta a reportagem abaixo da BBC Brasil. Confira.
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LUTA INGLÓRIA
Um livro que narra em versos a odisseia dos pais para colocar uma criança para dormir tornou-se um dos mais vendidos nos Estados Unidos, depois de ter sido pirateado e distribuido ilegalmente pela internet.
Desde o fim de abril, o livro Go the Fuck to Sleep (em português, "Vai dormir, p..."), do americano Adam Mansbach, está na lista dos 100 mais vendidos da Amazon, a maior livraria online do mundo.
No entanto, o livro só foi lançado oficialmente no dia 14 de junho, quando chegou ao segundo lugar na lista.
A publicação faz uma paródia dos livros infantis de poesia. Mas nela, pais exaustos e frustrados pedem - usando palavrões - que o filho vá dormir logo e pare de querer levantar da cama.
A linguagem causou polêmica entre associações de pais nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa como a Nova Zelândia, onde uma associação cristã chegou a tentar impedir que a publicação fosse vendida no país.
Sucesso
Descrito pelo autor como "um livro de ninar para adultos", Go the Fuck to Sleep virou um sucesso instantâneo meses antes do lançamento, que seria em outubro e foi antecipado.
Adam Mansbach disse ao jornal britânico The Guardian que a idéia dos versos começou como um post no Facebook em junho de 2010, em que ele anunciava que escreveria um livro com este nome, depois de mais uma tentativa de colocar sua filha Vivien - então com 2 anos - na cama.
“Era uma brincadeira, é claro, porque eu não tinha intenção de escrevê-lo. Mas de repente, todos queriam saber quando o livro seria publicado. Isso me pegou de surpresa, para dizer o mínimo”, disse.
No fim de semana seguinte à leitura de alguns versos do livro em público, o livro de Mansbach chegou aos cinco primeiros na lista de mais vendidos da Amazon, com base somente no número de pedidos de pré-venda.
Semanas depois, o livro foi pirateado e circulou como um arquivo na internet. Em entrevista à versão britânica da revista Wired, o autor disse que chegou a tentar, juntamente com a editora, tirar os arquivos do ar, sem sucesso.
“As pessoas perceberam que (a versão da internet) não era o suficiente. Elas viram que tinham que segurar o livro nas mãos, que era um livro para presentear. O que você vai fazer com um (arquivo de extensão) PDF de baixa resolução? Imprimi-lo, grampeá-lo e dar para alguém no dia dos pais? Acho que não”, disse.
Linguagem adulta
Desde então, a publicação já ganhou uma versão em áudio, produzida pela Audible.com, a divisão de audiolivros da Amazon, e disponibilizada para download gratuito.
A versão é narrada pelo ator americano Samuel L. Jackson e ultrapassou os cem mil downloads em suas primeiras 48 horas no ar.
Na última semana, o cineasta alemão Werner Herzog leu os versos da obra em um evento promocional na Biblioteca Pública de Nova York e a produtora cinematográfica Fox 2000 comprou os direitos de adaptação do livro para o cinema.
Apesar do sucesso, o livro gerou críticas de pais que consideram a linguagem muito rude e inapropriada, mas segundo Mansbach, a resposta negativa à publicação foi minoritária.
Mesmo assim, o autor diz estar preparando uma versão sem palavrões para as crianças. O livro será lançado no Brasil em julho.
segunda-feira, 20 de junho de 2011
POR UMA IDEIA DE LITERATURA EXPANDIDA
Artigo escrito pela Dra. Cristiane Costa, publicado em O Globo. Vale a pena conferir. Uma reflexão profunda da nova literatura e seus novos suportes eletrônicos. Dá ainda pra chamar a literatura da década de 90 de contemporânea?
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O cinema nasce do teatro, mas não é teatro. É uma nova arte, com uma nova linguagem, criada a partir de uma nova tecnologia. O mesmo pode ser dito da fotografia em relação à pintura. E, com algumas ressalvas quanto a seu conteúdo artístico, do rádio e da televisão. Terá chegado a vez da literatura? Até onde ela pode se expandir em hipertextos, hiperlinks, multimídias, quebrando a linearidade da página, antes de se tornar uma nova arte?
Enxergar que o livro eletrônico é um novo passo na longa série de invenções de tradições narrativas tira o foco da discussão banal entre os que acham que o livro impresso vai acabar e os que se recusam a abandonar o papel.
A própria ideia de livro e literatura perde parte de seu sentido quando nos deparamos com novas estratégias narrativas em bases digitais, que atuam na confluência de várias artes e mídias. O aspecto inovador não está restrito apenas à tecnologia de leitura dos tablets, nos chamados >ita<enhanced books ou enriched books (livros enriquecidos ou turbinados), mas também às maneiras de narrar.
A “literatura” é contaminada pela lógica interativa dos games; cortada, colada e remixada, como fazem os DJs; integrada à internet, misturando palavra, vídeo, foto, som e animação, e explodindo em 3D nas telas com cenários e personagens em Realidade Aumentada. Estes “livros” podem ainda ser reescritos por seus leitores, em experiências interativas e colaborativas que colocam em questão o conceito de autoria e propriedade intelectual.
Na era digital, books viram vooks (vídeo + book). Romances epistolares passam a ser e-pistolares, com símbolos do SMS substituindo os travessões. Até mesmo coordenadas geodésicas, como as marcações do Google Maps, podem oferecer estruturas narrativas jamais usadas antes para clássicos como “A volta ao mundo em 80 dias”, de Julio Verne. Chatbots (programas de computador desenhados para similar uma conversação normal entre personagens e leitores) abrem espaço para um nível de interatividade inédito.
Ainda é cedo para medir o impacto na criação literária dessa literatura sem papel. O livro eletrônico poderia desenvolver novas formas expressivas, assim como o livro impresso possibilitou o boom do romance, e a câmera, do cinema? Novas tradições narrativas não nascem do nada, alimentam umas às outras. O desejo de imersão no universo fantasioso é uma ambição da literatura desde os seus primórdios. Desejo que pode ser intensificado ao máximo neste mundo em que os verbos ler, ver, ouvir, interagir, compartilhar e comentar se misturam. Mas, se tudo é dado pela tecnologia, qual o espaço para a imaginação?
Tudo isso enche os olhos, mas ainda parece experimental demais, sem qualidade literária que possa ser apreciada pelo leitor comum. No entanto, há décadas lemos e apreciamos obras que permitem criar combinações, experimentando uma outra ordem de leitura. Os poemas aleatórios de Tzara, os labirintos de Borges, as construções hipertextuais de Cortázar, as experiências de Perec e do grupo Oulipo, os cut-ups de William Burroughs ou as histórias incompletas de Calvino já apontam para uma forma de expressão não-linear e exigem um leitor mais ativo do que passivo.
Chega a ser sintomático que, quando usamos o termo literatura contemporânea no Brasil, em geral pensamos numa geração surgida a partir dos anos 90, quando a web ainda engatinhava, ignorando tudo o que de mais inovador vem sendo produzido desde então, inclusive por autores nacionais. Uma literatura sem papel vem se desenvolvendo como um universo à parte, com seus próprios canais de distribuição, utilizando-se de novos suportes, desenvolvendo suas próprias categorias críticas. Mesmo críticos mais renomados se surpreendem ao ver o vigor desta produção que cresce à margem das instituições e saberes tradicionais. Fatalmente se questionam sobre seu papel neste universo estruturalmente participativo, em que produtores e consumidores se misturam. E se ressentem da perda de seu prestígio como gatekeepers, perdendo o poder de dizer o que é bom ou ruim. Poder que passou a ser pulverizado por comunidades de fãs (com seus fancritics, fanartists, fanfictions etc), que se comunicam e compartilham interesses fora das redes tradicionais dos suplementos literários e círculos universitários.
Enxergar que o livro eletrônico é um novo passo na longa série de invenções de tradições narrativas tira o foco da discussão banal entre os que acham que o livro impresso vai acabar e os que se recusam a abandonar o papel.
A própria ideia de livro e literatura perde parte de seu sentido quando nos deparamos com novas estratégias narrativas em bases digitais, que atuam na confluência de várias artes e mídias. O aspecto inovador não está restrito apenas à tecnologia de leitura dos tablets, nos chamados >ita<enhanced books ou enriched books (livros enriquecidos ou turbinados), mas também às maneiras de narrar.
A “literatura” é contaminada pela lógica interativa dos games; cortada, colada e remixada, como fazem os DJs; integrada à internet, misturando palavra, vídeo, foto, som e animação, e explodindo em 3D nas telas com cenários e personagens em Realidade Aumentada. Estes “livros” podem ainda ser reescritos por seus leitores, em experiências interativas e colaborativas que colocam em questão o conceito de autoria e propriedade intelectual.
Na era digital, books viram vooks (vídeo + book). Romances epistolares passam a ser e-pistolares, com símbolos do SMS substituindo os travessões. Até mesmo coordenadas geodésicas, como as marcações do Google Maps, podem oferecer estruturas narrativas jamais usadas antes para clássicos como “A volta ao mundo em 80 dias”, de Julio Verne. Chatbots (programas de computador desenhados para similar uma conversação normal entre personagens e leitores) abrem espaço para um nível de interatividade inédito.
Ainda é cedo para medir o impacto na criação literária dessa literatura sem papel. O livro eletrônico poderia desenvolver novas formas expressivas, assim como o livro impresso possibilitou o boom do romance, e a câmera, do cinema? Novas tradições narrativas não nascem do nada, alimentam umas às outras. O desejo de imersão no universo fantasioso é uma ambição da literatura desde os seus primórdios. Desejo que pode ser intensificado ao máximo neste mundo em que os verbos ler, ver, ouvir, interagir, compartilhar e comentar se misturam. Mas, se tudo é dado pela tecnologia, qual o espaço para a imaginação?
Tudo isso enche os olhos, mas ainda parece experimental demais, sem qualidade literária que possa ser apreciada pelo leitor comum. No entanto, há décadas lemos e apreciamos obras que permitem criar combinações, experimentando uma outra ordem de leitura. Os poemas aleatórios de Tzara, os labirintos de Borges, as construções hipertextuais de Cortázar, as experiências de Perec e do grupo Oulipo, os cut-ups de William Burroughs ou as histórias incompletas de Calvino já apontam para uma forma de expressão não-linear e exigem um leitor mais ativo do que passivo.
Chega a ser sintomático que, quando usamos o termo literatura contemporânea no Brasil, em geral pensamos numa geração surgida a partir dos anos 90, quando a web ainda engatinhava, ignorando tudo o que de mais inovador vem sendo produzido desde então, inclusive por autores nacionais. Uma literatura sem papel vem se desenvolvendo como um universo à parte, com seus próprios canais de distribuição, utilizando-se de novos suportes, desenvolvendo suas próprias categorias críticas. Mesmo críticos mais renomados se surpreendem ao ver o vigor desta produção que cresce à margem das instituições e saberes tradicionais. Fatalmente se questionam sobre seu papel neste universo estruturalmente participativo, em que produtores e consumidores se misturam. E se ressentem da perda de seu prestígio como gatekeepers, perdendo o poder de dizer o que é bom ou ruim. Poder que passou a ser pulverizado por comunidades de fãs (com seus fancritics, fanartists, fanfictions etc), que se comunicam e compartilham interesses fora das redes tradicionais dos suplementos literários e círculos universitários.
CRISTIANE HENRIQUES COSTA é doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, professora da ECO e pesquisadora do pós-doutorado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea, onde desenvolve estudo sobre as novas estratégias narrativas em mídia digital. É curadora, junto com Heloisa Buarque de Hollanda, do ciclo Oi Cabeça, que acontece até dezembro no Oi Flamengo. Dia 22, às 19h30m, Scott Lindenbaum, Paulo Werneck, Sergio Rodrigues e Carlos Carrenho falam sobre “Novos espaços para a literatura”
terça-feira, 14 de junho de 2011
CRÔNICA DE UMA PROFISSÃO MAL COMPREENDIDA
À inspiração de Fernando Sabino e Alexandre Raposo
Aurélia é nossa faxineira há quatro anos. Uma boa profissional, pontual, inteligente e bem articulada. Nossa única reclamação é sua tendência para a decoração — ao final de cada dia de faxina, nossos objetos, enfeites e até móveis estão numa, digamos, nova "proposta estética de espaço".
Todas as terças, Aurélia vem trabalhar e sempre me vê em casa, o dia todo, em frente deste computador e rodeado de livros por todos os lados. Esta semana ela não se conteve e disparou:
— Afinal o senhor trabalha em quê?
Pensei muito bem na resposta, sentindo que esta pergunta, se mal respondida, me definiria como um desocupado que vive às custas de sua mulher. Esta sim, ela vê sair para o trabalho todas as manhãs e nunca a vê voltar. "Mulher trabalhadora a sua, hein, doutor!" — comenta ela, sempre com um risinho acusador nos lábios.
Diante desse risco, respirei fundo e respondi com uma voz empostada, valorizando o mais que eu podia minha atividade profissional:
— Sou Designer Editorial.
— O senhor é o quê? — perguntou como se tivesse acabado de ouvir um palavrão absurdo.
Pensei comigo mesmo: "Ela está achando que eu acabei de inventar esta profissão para justificar minha vagabundagem...". Rapidamente lhe dei outra alternativa:
— Sou um capista, Aurélia!
— Capista?? — os olhos arregalados dela mostravam que esta palavra também parecia inventada.
Vamos então tentar algo mais simples:
— Eu desenho capas de livros. Sou um desenhista.
— Aaaaaah, sei, sei!
Ufa! Uma reação mais positiva, estou chegando lá...
— Então esses livros todos ali na prateleira... o senhor que desenhou?
Todo orgulhoso, percebendo que minha mensagem fora devidamente entendida, fui direto para a estante e peguei uma de minhas capas favoritas para mostrar. Modéstia a parte, era uma bela capa: clean, fundo azul petróleo, toda tipográfica, sem imagens, apenas explorando visualmente a composição das letras do titulo do livro, de maneira que transmitisse um diferencial à publicação. O resultado acabou unindo harmonia estética e apelo comercial.
— Veja isso, Aurélia! – exclamei, entregando o livro com o peito inchado de orgulho.
Ela pegou o livro e começou a olhá-lo com atenção. Virou, examinou a quarta capa, depois olhou atentamente a lombada. Por fim, virou de frente novamente e ficou quase um minuto inteiro com o olhar fixo na capa. Acabando sua análise criteriosa, me encarou bem séria e arrematou:
— Então o senhor é desenhista, é? O senhor está é me enganando. Não estou vendo nenhum desenho neste livro, doutor, só tem estas letras soltas aqui...
***
Não ria. Não ria de Aurélia. Posso atestar que muitos profissionais do mercado editorial também têm dificuldade em compreender o real papel de um designer editorial. Muitos ainda têm a imagem enraizada do designer como um "artista" que trabalha movido por intuição e inspiração. Um sujeito totalmente à parte da estratégia comercial da editora. Não os culpo. Afinal, muitos designers fazem questão de alimentar esta imagem que lhes dá um certo status e valorização financeira, que incham ainda mais seus egos imensos.
Se reconhecermos a capa como uma importante peça de comunicação na comercialização do livro – talvez a mais importante – fica mais fácil compreender o Designer Capista como um profissional da área de Comunicação e não como um profissional da área de Artes. Fica também mais claro que a capa não é uma obra de arte nem o designer é um artista. O capista é um profissional que precisa conhecer a fundo técnicas de comunicação visual, semiótica etc. Ou seja, sua função nada tem a ver com "criar uma capa linda e bem chamativa". Para mim, a principal função de um designer é "traduzir visualmente as intenções comerciais da editora em relação ao livro e a seu público leitor". Será que vocês já tinham refletido sobre tudo isso?
Como podem ver, talvez nossa Aurélia não esteja sozinha...
O Capista
http://blog.capista.com.br
quarta-feira, 8 de junho de 2011
A ÚLTIMA CRÔNICA
Por Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que dialhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que dialhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
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Nota: Esta é uma das crônicas mais belas que já li. A maestria com que Sabino desenrola uma crônica a partir de um fato cotidiano que passaria despercebido por muito. O assuntos que nos leva a refletir quanto a condição social, ao racismo e também uma metalinguagem que a crônica aborda o próprio ato de ser cronista e fazer uma crônica.
A intertextualidade é perfeita quando ele dialoga com o "Último Poema" de Manoel Bandeira (postagem abaixo) e as frases que marcam tanto em Sabino como em Bandeira: "Assim eu queriria minha última crônica" e "Assim eu quereria meu último poema".
quinta-feira, 2 de junho de 2011
O ÚLTIMO POEMA
Poeta e romancista. |
Por Manoel Bandeira
Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
MULHER DE 100 ANOS RETORNA À ESCOLA PARA APRENDER LER E ESCREVER
Fonte: Estadão
Entre os 20 alunos do curso noturno de alfabetização de jovens e adultos da Escola Municipal Moacyr Camargo Martins, em Londrina (PR), uma se destaca pela dedicação e perseverança. Aos 100 anos de idade, completados em 25 de maio, Isolina Mendes Campos decidiu aprender a ler e a escrever.
Mineira de Felicina, Isolina conta que começou a estudar em 1998, mas acabou abandonando o curso por problemas de saúde. Voltou agora para não ficar em casa à noite sem fazer nada. "Não gosto de ficar parada. Essa aposentadoria é muito cansativa", diz. "E quero dar o exemplo a quem quer voltar a estudar".
Isolina - que, quando moça, fazia rapadura com os irmãos enquanto o pai cortava cana - é, entre todos os alunos, a que mais exige atenção. "Ela quer saber a toda hora o que significa determinada letra", conta a diretora da escola, Regina Pierotti. Segundo ela, embora Isolina ainda não leia, já aprendeu a escrever seu nome completo. "Ela está sempre sorridente. Só falta às aulas quando está doente". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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